quarta-feira, 20 de julho de 2011

Fulaninho de tal

Lá vem as pessoas perguntando... Tu que és psicóloga, como explicarias...
Hahahahahahahahha!!!
Essas perguntas simples para respostas impossíveis é algo que venho confrontando nos últimos semestres do curso de psicologia, como se eu fosse um guru, que através do meu longo conhecimento acadêmico (cinco anos apenas, mais precisamente) fosse capaz de desvendar qualquer fato da psiqué humana.
Perguntas do tipo: fulano é de tal jeito, como a psicologia explica esse comportamento? Estou sentindo tal coisa, psicologicamente, o que devo fazer? Meu filho não me obedece, ele tem algum problema?...
Essas perguntas são formuladas como se fossem objetivas e tivessem uma resposta lógica e imediata.
Realmente, seria maravilhoso se pudéssemos ter algum esclarecimento sobre o mistério que é a nossa vida, a maneira de ser do outro, nossa maneira confusa -muitas vezes- de ser...
Como se houvesse uma explicação clara e precisa para que a resolução dos nossos problemas esteja no outro e não em nós, ou em alguma teoria bem alicerçada, que de preferência não nos desestabilize ou mexa com nossas emoções.
Aliás, as pessoas estão fazendo qualquer coisa para não sentirem. Um remedinho, por favor, doutor, que tire todo o meu sofrimento. Uma consulta de 10 min. na cartomante da esquina que vai ter as respostas que eu preciso sem eu fazer nadinha. Uma saída na balada e um sexo selvagem para disfarçar a minha dor de estar só.Uma terapia breve, quanto menos tempo e menos preço o psicólogo cobrar melhor, pois afinal de contas, as respostas estão nele e não em mim.

Funcionaria assim:

...Eu exponho brevemente como o outro é; e você, psicólogo,como um "expert" no assunto das mentes humanas, só poderia concordar que fulano tem alguma patologia.
Na verdade, não importa se eu falo quem o fulano é ou como eu vejo o fulano, pois seria a mesma coisa.
Não importa se o fulano concorda com o que trago dele, não é levado em consideração como fulano se sente em relação a mim, minhas atitudes não influenciariam de forma alguma a decisão do outro e eu sou super "neutra" no meu questionamento...

Ou ainda...subjaz: eu não tenho nada a ver com isso, é apenas o outro que é péssimo professor e faz eu rodar nas provas (que não estudo), é meu namorado que não é honesto comigo (enquanto eu sou um ser perfeito e bem resolvido), é meu chefe que me paga aquém do meu merecido valor (enquanto eu mesmo não me valorizo), é minha família que não me entende (e eu não mexo uma palha para ter minha independência)...

É, parece que hoje em dia, talvez mais do que em qualquer tempo, atira-se toda a responsabilidade no fulaninho. Negamos, muitas vezes, a nossa humanidade, a capacidade de transformar quem somos, a possibilidade de colocarmos limites nas relações, de nos afastarmos de quem não nos faz bem ou de irmos atrás do que acreditamos e queremos , independente do outro.

Nos fechamos em um mundinho de projeções, que segundo a psicanálise e a grosso modo seria projetar no outro as minha necessidades, frustrações ou esperanças e nós ficamos de fora disso, é claro!
Ao invés de mudarmos a nós queremos encontrar defeitos ou formas de arrumar o outro a nossa vontade.
Sugiro, então, que percebamos qual a nossa parte de responsabilidade nas situações que enfrentamos e de que forma podemos mudar o nosso próprio mundo - e que deixemos o ciclano ser como quer e escolhe!!!

terça-feira, 12 de julho de 2011

O inconsciente

Descartes, no século XVIII, acreditava que o homem era um ser que podia pensar-se e perceber-se diretamente.   Os positivistas, do século XIX, priorizavam a razão e definiam o homem como um ser capaz de ter consciência de si, de dominar-se.
A teoria psicanalítica, que expandiu-se no século XX, não está em continuidade com as ciências anteriores, opera um corte epistemológico radical, pois através dela há impossibilidade de se pensar em termos de clareza e de verdade imediatamente percebida: o inconsciente obriga qualquer sujeito a “desconhecer-se” (Lacan), na medida em que o inconsciente é, precisamente, aquilo que escapa a uma consciência clara de si.
A psicanálise renova a velha questão filosófica das relações entre a alma e corpo e distingue, no psiquismo, os fenômenos de consciência de os do inconsciente. Segundo Freud, existem forças irracionais que retiram, de certa forma, a autonomia do homem de ser e agir conforme sua vontade.
Esse novo conceito atacou diretamente o narcisismo dos teóricos que se sentiam grandiosos pela possibilidade de serem autosuficientes em função de sua superioridade intelectual.
O ser humano, de acordo com essa teoria, possui uma parte da mente que é desgovernada e composta por instintos, desejos e emoções que o escravizam.
Se pensarmos que muitas vezes decidimos que vamos fazer determinadas coisas, como um regime, por exemplo: Vou começar na segunda-feira! Procuramos sites na internet com as calorias quantificadas e a dieta mais adequada, entramos para academia, tudo pronto.  O que é essa coisa que surge dentro de nós que nos faz mudar de idéia, que nos faz comer sem fome, que não nos deixa parar de comer  depois que começamos(quando o que queremos é parar) ou que nos impede de fazer  tal exercício físico que nos propomos?
Quando começamos um relacionamento e nos apaixonamos, vemos tudo colorido, pensamos na pessoa 24h.... E... com o passar do tempo, percebemos que aquela pessoa era legal, mas não é “aquela pessoa”. Decidimos que não queremos mais, mas não podemos acreditar que tudo acabou, quando tudo evidencia que chegou. O que é essa coisa que surge dentro de nós que não nos deixa enfrentar a realidade e que não nos permite colocar um ponto final ?
Outro exemplo clássico é em relação aos nossos pais. Têm coisas neles que simplesmente não suportamos, temos até uma teoria pronta para criticá-los. Mas, inesperadamente, estamos agindo igualzinho! E pior ainda, nem nos damos conta! O que é essa coisa que surge dentro de nós que nos faz repetir, que nos faz agir exatamente da forma como achamos inaceitável, que nos faz ser aquilo que tanto evitamos e criticamos?
Nada como exemplos, que toquem as nossas emoções, para que possamos compreender uma teoria, um conceito. Para que realmente possamos introjetá-los, precisamos sentí-los. “Na metodologia freudiana, a exigência de teorização só é legítima se remeter para a experiência singular e autêntica de uma história pessoal, analisada sob o ângulo de um vivido, de um sentido, de um experimentado, ou seja, sob o ângulo de uma subjetividade em luta com o inconsciente. “
Não é fácil acreditar na teoria do inconsciente, que nos aproxima dos animais com seus atos instintivos, que nos mostra a desapropriação de nós. Por outro lado, seguir na arrogância de que tudo podemos e sabemos sobre nossa mente, é negar a possibilidade de enxergar além, além das barreiras do consciente.
Abrindo- nos à experiência da análise ou da terapia psicanalítica somos convidados a viajar pelos mistérios e desrazões que nos movem e nos impulsionam na vida e isso só  pode ser visto através do olhar do outro.
A psicanálise, dessa forma, traz o conceito de alteridade (http://pt.wikipedia.org/wiki/Alteridade) como um fator imprescindível na busca pelo autoconhecimento.
E nós? Como agimos em relação aos novos conceitos que tomamos consciência? Prefirimos desconhecer nosso inconsciente e seguir tendo uma vida dominada pelo que não escolhemos para nós?

domingo, 10 de julho de 2011

Tolstoy: A última estação

Ontem comecei a assistir o filme The Last Station, baseado no roteiro de Jay Parini e dirigido por Michael Hoffman. Na medida em  que o filme acontecia, fui observando atentamente o personagem de Helen Mirren, que representa a esposa de Tolstoy. Um personagem do tipo insuportável, daqueles que dá vontade de dizer: sai daí sua manipuladora! No entanto, remetendo-me à psicologia, lembrei-me imediatamente de que se há uma esposa "louca", existe também seu marido "não tão normal", que a complementa.
Percebemos a sociedade pregar: fulano trai a mulher, ciclana é uma esposa repressora, enfim, vários esteriótipos sobre um dos cônjuges, como se o outro fosse um santo, um injustiçado, que é obrigado a conviver com ele/ela, o que não é verdade. Enquanto pensava na personagem e em como ela interferia nas idéias do marido, no quanto ela se opunha aos seus grandiosos ideais teóricos, ficava evidente que por outro lado existe também uma mulher que tem direito de "existir" dentro da sua relação íntima com seu marido, seja ela como for. Enxergamos os fatos sempre como se houvesse uma vítima e um carrasco, um certo e um errado; devemos ficar muito atentos a que modelos protegemos, de que lado nos colocamos e por que defendemos um determinado papel, tanto nos filmes quanto na vida real.
Percebemos no filme que há um Tosltoy escritor, mas que desempenha outros papéis, de pai, marido, amigo e humano, que nem sempre segue suas próprias teorias.  Fica evidente o quanto a mulher é ambiciosa, manipuladora e dependente e ele um ser  admirado, visto como um mártir por seus seguidores, mas suas contrariedades não são lidas nos seus escritos. Me pergunto: quantas vezes as pessoas se envolvem nos relacionamentos alheios em nome da justiça, em nome de defender o "bonzinho" da história. É claro que não vamos permitir ou defender as agressões que as pessoas sofrem, mas perceber que existe uma trama que é formada pelos dois e que ambos são vítimas de suas próprias emoções descontroladas, pois não conseguem impor limites a si próprios e fazer as escolhas mais adequadas. Quando nos identificamos com Tolstoy é interessante refletir se nos identificamos mais com o nobre escritor contraditório que tem aparência de pobre coitado ou a sua esposa descontrolada que luta pelo que acredita e é autêntica (e muito, muito chata)?
Nos identificamos com o personagem que somos, que gostaríamos de ser ou o socialmente mais adequado?Conseguimos enxergar as pessoas e os atores de forma neutra?